Da menina da roça à jovem humana e trabalhadora

Por Maria da Consolação da Cunha (Mara)



Vou falar um pouquinho de mim...

Eu não fui criada com mimo! De jeito nenhum! Mas de jeito nenhum! Minha mãe morreu, eu tinha 7 aninhos e era da roça. Minha irmã mais velha de dentro de casa, porque as outras eram casadas, tinha 14 anos, então, não tinha muito juízo... juízo nenhum. Com 9 anos de idade aprendi a cozinhar no fogão de lenha e, aí de mim, se eu não fizesse as coisas direito! Tinha que cuidar... ir lá no paiol, descascar milho para dar para os porcos.

Sou de uma cidade de Minas bem próxima de Franca. Deve dar uns 20 minutos de carro. Chama-se Ibiraci. Eu nasci nessa cidade, mas os meus tios me trouxeram para Ribeirão Preto para ver se tinha algum recurso para a minha visão. E, como queriam que eu passe por uma junta médica, o Doutor Heraldo pediu para a Tia Lola se eu poderia ficar no Lar por cerca de 15 dias. Mas, de 15 dias, virou mais de 50 anos que estou aqui. A Tia Lola escreveu até uma cartinha, quando eu fui embora, pedindo para eles deixarem que eu morasse aqui, pois ajudava muito com as coisas.

Eu não tinha nem 17 anos quando vim para cá e comecei a aprender o Braille... comecei a aprender e logo que comecei apareceu a oportunidade de um curso no Senai. Como eu era muito pobre, é lógico que eu ia querer trabalhar! No primeiro momento fiz o teste no Senai, passei, inclusive, em primeiro lugar e, pouco tempo depois fui para a indústria.

Comecei a trabalhar na fábrica de macarrão e bala e, graças a Deus, me saí muito bem. Uma das coisas que eu tinha muito medo era perder meu emprego. Se eles falassem: - “Você̂ trabalha à noite inteira”? Eu era capaz de trabalhar, porque quando vim para cá, eu era pobre demais... eu não tinha roupa. Não tinha nem roupa direito para vestir, tanto que quando eu comecei na fábrica, eu ia com roupa emprestada, pois não podia ir muito malvestida trabalhar. Sempre dei muito valor ao meu emprego... e, graças a Deus, tudo aquilo que eu podia dar para alguém, eu dava embora. Eu não tinha nada, mas aquele pouquinho que eu tinha, graças a Deus, não me fazia falta.

“O primeiro sapato que usei, foi a Mara quem me deu. Porque eu chegava da escola, vinha para cá nas férias e ela perguntava se eu tinha passado de ano. Aí, passei. Ela falava para a diretora que morava aqui: - “Tia Lola, então, a senhora desce com ela lá para a cidade, que eu vou dar um sapato para ela. O sapato que usava na escola era ela, a Mara, que me dava todo ano. Mas eu tinha que passar de ano, senão ela não dava” – Carmen.

Como eu me criei sem mãe, sofri muito na minha vida... e quando vim para cá, tinha o dia e a noite e, por isso, dou muito valor para essa casa. Dou mesmo!

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