O sapato embrulhado no jornal... o início de uma trajetória educacional

Por Maria do Carmo Policeno Bernardes (Carmen)



A minha vinda para cá, foi uma coisa muito interessante...

Nós morávamos em Jardinópolis... e eu tenho uma irmã que, na época, trabalhava de doméstica na Avenida Independência, aqui em Ribeirão... Todo final de semana ela ia para nossa casa, para casa da minha mãe... naquele final de semana de 1968, ela levou um sapato embrulhado em um jornal e a minha outra irmã pegou e começou a ler. Naquela época, era difícil... nem em Jardinópolis tinha jornal; era uma novidade e, nele estava falando sobre o Lar dos Cegos e a Escola Helen Keller. Ela falou para minha mãe: - “Mãe, por que a senhora não põe ela lá?” Aí ela falou para a minha irmã: - “Você vê se consegue arrumar lá para ela”.

Aí, a Célia, minha irmã, veio e pediu para o Sr. José se eu poderia ficar aqui. Explicou toda a minha situação. Eu tinha 13 anos... Ele falou: “Como ela é criança, ela vai ficar aqui um mês de experiência. Se ela não conseguir ficar, a gente vai ter que mandá-la de volta, porque a gente não pega criança”. Aí, minha irmã lutou: - “Não, porque a minha mãe quer que ela estude”!

Aí, eu vim para cá... Eu gostava daqui, mas eu tinha saudade da minha mãe... Eu ia lá para dentro do quarto chorar... porque eu pensava se eles me vissem chorando, eles me mandariam embora. Aí, eu ia lá dentro no quarto chorar de saudades dos meus irmãos, da minha mãe... porque eu tinha perdido meu pai fazia 2 anos...

Eu cresci aqui... eu aprendi... eu aprendi... assim, eu não conversava muito com as pessoas. Aí, eu aprendi a conversar, me comunicar melhor; aprendi que eu podia fazer alguma coisa, porque a tia Lola me ensinava; a Mara me levava na missa com ela... aí eu fui... foi uma experiência maravilhosa.

O Waldir foi meu primeiro professor. Inclusive, ele me alfabetizou muito bem. Comecei por ele... Ele que me alfabetizou. Me ensinou tudo o que queria saber. Eu era muito curiosa! Eu queria aprender! E o Waldir gostava de ensinar. Então, como dizia minha mãe: - “Juntou a fome com a vontade de comer” e aí deu certo. Tanto que, daqui, fui para o Padre Chico e lá já comecei na segunda série.

Apesar de não me colocaram em uma escola comum como eles pretendiam, em 1969, a diretora, tia Lola, me levou para São Paulo, onde eu fiquei no Padre Chico até 1975, mas mantida pelo Lar. Quando cheguei, fiquei uma semana na primeira série... aí tudo que a professora ia ensinando, eu já sabia. Ela falava: - “Você não pode ficar nessa série”. Aí, me colocaram na segunda. Tive um ótimo ensino. Um ensino fundamental completo que, hoje, o ensino médio não é nem a metade do que eu aprendi no ensino fundamental daquela época.

“Só não colocaram ela na terceira série, porque falaram que não podia. Ela tinha que cursar a segunda... senão ela já iria para a terceira direto” – Waldyr.

Em 1975 retornei para Ribeirão Preto e fiquei na Escola Helen Keller e no Lar dos Cegos até 1991, quando saí daqui para me casar.

2020 - Maria do Carmo Policeno Bernardes (Carmen) - ex-aluna da Escola para Cegos "Helen Keller"